VIH, Retrovirais e o Coração


Embora quase sempre se tente descartar a origem de certas patologias em doentes infectados pelo VIH devido ao uso dos medicamentos retrovirais, parece haver um consenso a nível científico, de que alguns fármacos utilizados no combate ao HIV, em especial os da classe dos “Inibidores da Protease”, propiciam o desenvolvimento de Doença cardiovascular.

Este tipo de medicamentos (sempre com a ressalva cientifica “alguns”) aumentam os níveis de gordura e de açúcar no sangue, e eventos coronários agudos como enfartes agudos do miocárdio, tromboses, acidente vascular cerebral e também a morte acontecem em grande parte devido à acumulação de depósitos destas gorduras nos vasos sanguíneos do coração.

Infelizmente, nem todos os médicos que tratam doentes infectados pelo VIH se preocupam com certos pormenores. A preocupação principal é baixar a carga viral a níveis indetectáveis e aumentar a capacidade do sistema imunitário através do aumento das células CD4, o que não deixa de ser importante, no entanto há muito mais preocupações a ter com um doente infectado pelo VIH.

Diga-se em boa verdade que muitos médicos não têm experiência nem informação e formação, para tratarem doentes com VIH mas fazem-no legalmente, prescrevendo medicamentos que muitas vezes interagem entre eles e provocam mais danos do que benefícios, ao doente. Certos médicos estudiosos e especialistas em VIH reconhecem este problema, e por vezes ao doente, mediante uma receita de outro médico, aconselham a substituir este ou aquele medicamento e para de maneira nenhuma tocar noutro que lhe foi receitado.

A pouco e pouco o panorama vai mudando na secção de infecciologia, mas há falhas de ligação de informação em relação a outras especialidades entre as quais a cardiologia. A prescrição de medicamentos para baixar o colestrol e outros medicamentos associados tem de ter em atenção a medicação retroviral que cada doente infectado com o VIH está a tomar, o que não acontece.

Há os doentes atentos e informados, mas a maior parte dos doentes limita-se apenas a fazer aquilo que o médico manda fazer. Certamente não é suposto ser o doente a corrigir o médico e isso pode mesmo originar mal entendidos e crispação entre paciente e médico o que não é de todo desejável. Fica aqui apenas o reparo e o que cito aconteceu comigo. Nada disse ao médico limitei-me a não comprar o medicamento prescrito e a pedir a outro médico para me prescrever outro para o mesmo efeito, que não tivesse interacções.

Não pretendo com este texto chamar ignorantes a certos médicos, mas apenas alertar que cerca de 40.000 infectados no nosso país, fazem com que certos cuidados na prescrição de medicamentos a pessoas infectadas seja levada em conta, e para que haja formação e manuais de interacções medicamentosas, para que certos medicamentos não sejam receitados.

O VIH não é infelizmente uma especialidade clínica, mas devia sê-lo. Anos atrás doentes infectados eram rechaçados por alguns médicos que os não queriam tratar. Depois e porque isso começou a dar prestigio aos médicos que cuidavam de doentes com VIH começaram a ser desejados. Pena que nesta altura não fossem exigidas qualificações pós graduação com acompanhamento formativo permanente a esses médicos conforme o armamentário retroviral se fosse desenvolvendo o que está a acontecer permanentemente com novas classes de drogas para o seu combate.

A SIDA ou melhor o VIH, continua a matar, agora de forma subtil e camuflada, não lhe sendo atribuídas (estatisticamente) as mortes por doenças cardiovasculares e não só. Morre-se com um sistema imunitário fortalecido e sem carga viral. Morre-se pelos medicamentos tomados para manter essa desejada situação.

Morrer parece ainda ser vergonha para os familiares quando alguém morre com SIDA. Morrer porque o coração falhou (devido a quê não interessa), parece ser uma honra pois sempre se ouve a frase atenuante do... coitado ainda tão novo e a máquina falhou.

Deixem-se de hipocrisias os senhores das estatísticas, os investigadores de medicamentos e os profissionais de saúde que nos tratam. Digam que morremos de SIDA, desenvolvam medicamentos que não causem tantos danos colaterais, e os que nos tratam estejam atentos àquilo que podemos ou não podemos tomar e às patologias para as quais somos um potencial grupo de risco devido às terapias que tomamos para combater o vírus.

Em próximos textos iremos abordar a forma de minimizar os riscos de doenças cardiovasculares e a maneira precoce de nós mesmos as detectarmos e avisarmos o médico que nos segue.

Um abraço

12 comentários:

Fatyly disse...

Subscrevo na integra esta tua informação porque além de ser um factor discriminatório, há de facto pouca formação por parte de alguns clínicos e sobretudo preocupação em mostrar o quadro real que temos.

Já li, não sei se será credível, que grande parte das mortes com ataques cardíacos ou do miocárdio entre 20/30/40 anos são de portadores da sida, mas como referes - médicos e familiares- escondem o que jamais deveriam esconder.
Mas também há quem não esconda e a esses pais e familiares, tiro o meu chapéu.

Continuação de uma boa recuperação e obrigado por mais um texto esclarecedor.

Beijocas e um bom fim de semana

Odele Souza disse...

Raul,

Esses efeitos colaterais dos medicamentos é algo que me deixa irritada. O medicamento cura ou minimiza um mal e causa outro. Anseio por ver medicamentos sem os graves efeitos colaterais de hoje.

Abraço.

sideny disse...

raul
Isso praticamente acontece com todos os medicamentos que tomamos.
fazem bem a umas coisa e mal a outras.
E tambem os medicos não gostam nada de nos informar acerca do que os medicamentos nos podem fazer mal ao coração aos rins e outras coisa.
esperemos que num futuro muito proximo os proximos medicamentos não facam estragos nos outros orgaos que tanta falta nos faz, para vivermos.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Raul
Este é um excelente texto que deixa um importante alerta: o doente deve estar informado.
Relativamente à não especialização de médicos em HIV é uma falha grave e incompreensível nos tempos que correm.
É uma reivindicação que deve ser assumida porquanto a não-especialização poderá conduzir a actuações pontuais e sectoriais com efeitos colaterais altamente indesejáveis.
Aliás quase todos os medicamentos, para diferentes patologias, têm fortes handicaps que a maioria dos pacientes desconhece.
O que não devia acontecer. O doente deveria sempre ser informado.

Abraço

Claudia Madureira disse...

Olá,

Como em todas as doenças, como por exemplo Les, a medicação para fazer uma coisa vai descontrolar outra, como os diabetes, hipertensão, a circulação do sangue e por ai fora.
Mas nós temos de ser fortes e lutar estes sintomas que vão aparecendo.

Desejo tudo de bom para ti.
Um bom Domingo.

Beijinho

Eme disse...

Compete aos médicos, tal como compete no caso de consultas do estudo da dor, encontrar o equílibrio para cada caso. Ninguém reage do mesmo modo aos tratamentos, os efeitos secundários não são obrigatórios em todos do mesmo modo. A correcta monitorização do doente evitaria as complicações futuras e infelizmente isso não acontece. Falha muito este nosso sistema de saúde.Falha demasiado, e acaba por se reflectir em custos ao estado e ao próprio doente em todos os níveis, sobretudo num sofrimento desnecessário.

QUanto aos cuidados a ter, aplicam-se a todos e não apenas aos que se tratam com retrovirais. As campanhas de consciencialização sobre as doenças cardiovasculares existem há muitos anos e é quase impossível não ser bombardeado todos os dias com a publicidade nas prateleiras dos supermercados sobre produtos recomendados para cuidar do coração..
Só não tem isto em mente quem não quer..

beijo

R.Almeida disse...

Fatyly
Realmente como doentes por vezes ficamos chocados da maneira como somos tratados, outras vezes nem damos por isso.A tradição deu-nos o hábito de o Sr, Dr, ser o detentor de todo o conhecimento o que acaba por nos colocar numa posição secundária e passiva em relação à nossa saúde. As coisas vão mudando lentamente para bem da nossa saude. Bjs

R.Almeida disse...

Odele
Não fique irritada pois acontecem tantas coisas todos os dias, que nos levariam a andarmos sempre zangados. Minimizar os erros é preciso para nosso bem, no entanto se forem eliminados a estagnação acontece o que também não é bom.
É bom haver erros para serem corrigidos, agora repeti-los constantemente é que é inadmissivel, quando há tantos erros novos para cometer.
Abraço

R.Almeida disse...

Sideny
Realmente tens razão, pois é uma chatice a gente para se curar de uma coisa estragar outra.Beijokas, tu és linda.

R.Almeida disse...

Lidia
Doente informado ajuda o médico cuja função é ajudar esse doente a curar-se. O doente activo no entanto ainda não entrou nas cabeças de muitos srs. doutores,o que é pena.
Por vezes é preferivel esquecer-se e por outros canais corrigir a situação. é que quando a maré está brava e bate na rocha quem se lixa é o mexilhão (neste caso o doente).
Bjs Amigos

R.Almeida disse...

Claudia
O problema não é controle e descontrole. O problema neste caso reside em substituir um medicamento por outro que não tenha interacções.
bjs.

R.Almeida disse...

M.
Apenas para dizer, que há efeitos de boost conhecidos entre certos medicamentos retrovirais e outros que vão combater outras doenças. Evitá-los e conhecer essas interacções é dever de qualquer médico, uma vez que são medicamentos muito poderosos, cuja aprovação muitas vezes só foi conseguida por existir actividade antiretroviral e o binómio danos beneficios ser favorável à supressão viral.
Beijos