COMEÇANDO A CAMINHADA

A título de brincadeira do primeiro de Abril escrevi um texto em que seropositivos estabilizados e infectados durante anos estavam incluídos em equipas hospitalares de apoio à adesão à terapêutica pelos novos infectados. Os leitores ficaram espantados com tantas facilidades como se isso fosse algo do outro mundo, não sei exactamente se é por não acreditarem no governo, não acreditarem na capacidade dos seropositivos para o desempenho de tais acções ou por acharem que é um trabalho inútil e desnecessário.
A Lídia no seu excelente comentário acha que há que relevar o papel social do seropositivo o qual tem um conjunto de valências que o tornam mais abalizado para dar formação e eu acrescento aconselhamento, na área do VIH. Por outro lado e numa perspectiva realista acha que vivemos num país decadente, onde o desemprego e o trabalho precário são uma constante.
Na minha opinião não está errada, mas se todos nos conformarmos com o actual estado de coisas nunca chegaremos a lado nenhum. È necessário lutar para que as coisas mudem pois se nada fizermos o saco rebentará pelas costuras e abrimos caminho a uma nova ditadura desta vez dominada pelo poder económico-financeiro a qual será muito pior que a ditadura vivida pré 25 de Abril.
Pessoalmente luto contra a descriminação e exclusão social das pessoas infectadas pelo HIV SIDA, porque isto é o meu ideal, a minha causa e porque sinto na pele os efeitos do actual estado de coisas.
É preciso termos consciência que a nossa luta é pela sobrevivência e por uma qualidade de vida que não temos por não serem aproveitadas capacidades, e mais-valias bem como o não reconhecimento que temos uma palavra a dizer no combate à pandemia da SIDA e seu alastramento.
Nenhum político responsável poderá dizer que a luta contra a SIDA não é importante excepto se for depois de um bom almoço ou jantar bem regado com vinhos de qualidade caríssimos, à semelhança do que aconteceu com um ministro japonês que apareceu frente às câmaras de televisão com um pifo descomunal, pois em nada (isto no que se refere aos aspectos negativos) são diferentes dos políticos de outros países.
Se na luta contra a SIDA é importante a prevenção e a adesão aos medicamentos retrovirais, será importante também utilizar todas as armas disponíveis para que essa luta seja mais eficaz e entre essas armas está a comunidade infectada que tem uma palavra a dizer.
Nós conhecemos o outro lado da SIDA conhecemo-la por dentro e vivemos com ela (face ao desenvolvimento actual da ciência) todos os dias de nossas vidas. Sabemos onde falhámos, sabemos onde falharam todas as campanhas à data da nossa infecção e sabemos onde encontrámos uma ajuda quando a SIDA nos entrou pela porta dentro e instalou-se definitivamente em nossos corpos e almas.
É uma questão de justiça por um lado e por outro uma questão de bom senso se considerarmos que as palavras dos nossos políticos são genuínas e que acreditam que é necessário actuar para minimizar o problema da pandemia.
A luta está começando a tomar forma e só nos resta encontrar abertura por parte das comissões de saúde dos vários grupos parlamentares o que parece estar a acontecer.
Esperemos que esta abertura não seja fogo em fardo de palha, pois estamos em ano de eleições legislativas e mais de 30.000 votos de infectados acrescidos dos votos de pessoas afectadas pela pandemia, que poderão triplicar ou quadruplicar esse numero, poderão ter uma palavra a dizer na atenção que a causa possa merecer.
Resta-nos estarmos unidos, lutarmos pelos nossos direitos e por uma justiça social e nunca ,mas nunca baixarmos os braços e considerar-nos uns coitadinhos cuja sobrevivência está dependente da caridade daqueles que têm pena de nós.
O HIV pode e faz muitos estragos em nossos corpos e em nossas almas podendo até tirar-nos a vida, mas não nos poderá tirar o direito à dignidade humana e à qualidade de vida que qualquer outro ser humano não infectado tem, enquanto o folgo da vida estiver em nós. Resta-nos lutar para que isso aconteça.

17 comentários:

alex disse...

Raul
Adorei o texto.Eu fui daquelas que me espantei porque não acredito no governo e porque tenho também uma certa dificuldade em acreditar nos seres humanos. Achei bom demais.
Sabes que estarei sempre ao teu lado na tua luta que também é minha. Nenhuma doença nos pode tirar o direito à dignidade humana e à qualidade de vida. . Este texto comove-me
Parabêns
Amigo

SILÊNCIO CULPADO disse...

Raul

O mundo ocidental está em crise porque o poder económico e político decidem colocar nos lugares-chave não os mais aptos nem os mais capazes mas sim aqueles que servem os seus interesses.
A mediocriadde instalou-se e muitos valores perderam-se pela desmotivação e pelo ostracismo.
A luta dos portadores do HIV inscreve-se na luta de todos aqueles que querem contribuir para a construção da sociedade e que são recusados sob o pretexto da discriminação. Sim porque a discriminação não é mais que um pretexto para praticar políticas de desigualdade.
Bom, mas não adianta estarmos sempre a dizer a mesma coisa se nada fizermos para inverter o stato quo.
Que tal apanhar a boleia da Michelle Obhama e da Carla Bruni que decidiram, no encontro que tiveram durante a cimeira, envolver-se directamente na causa do HIV, para se fazer algo de visivel aqui em Portugal? Que tal um documento a ser entregue aos responsáveis dos grupos parlamentares dos partidos políticos chamando a atenção para os valores e know how que se desperdiçam nomeadamente entre a população infectada pelo HIV?

Abraço

Eme disse...

Eu luto com vocês. Talvez não possa fazer muito e estou consciente das minhas limitações. Mas aprendi muito contigo Raul e desde então tudo o que aprendi transmito-o quando ouço ou vejo situações que resultam da ignorância sobre a doença. Concordo perfeitamente que haja seropositivos a realizar acções de formação com um médico ao lado que possa esclarecer questões mais relacionadas com o funciomento e a quimica do corpo humano. Eu diria que em cada freguesia ou concelho houvesse uma acção deste tipo, onde nas zonas mais pequenas, uma boa parte da população adere facilmente e poder-se-ia chegar às camadas jovens de mais perto que muitas vezes adorariam aconselhar-se junto de estranhos com quem estarão mais à vontade para expor dúvidas e questões que os incomodam. Acho que a formação resulta melhoer desta maneira: em vez de grandes congressos e assembleias, seriam pequenos colóquios pelas terras do país. Era de facto algo em que o Estado não perderia, pode contribuir para a redução ou um melhor controlo nos infectados o que representa sempre uma redução de encargos do Estado. E ao mesmo tempo estariam a criar novos postos de trabalho numa área importantíssima para o serviço das populações. Seria sem dúvida dinheiro bem gasto, mais dos que os empreendimentos do Belmiro de Azevedo na criação de espaços de lazer que a maioria do povo, aflito para conseguir ter a prestação da casa em dia nem se atreve a ir cheirar.

Sandokan disse...

Apenas uma rosa
Ela trazia na sua mão
Ao longe senti o aroma
Que o vento leve e suave trouxe.
Podia então sentir teus passos
Andando vagamente
No silêncio escondido
Para que eu não despertasse
Daquele sonho envolvente.
Senti então o barulho da porta
Que abria lentamente
Seu perfume dominava
Entrava nos meus sonhos
Invadia a minha alma.
Meu quarto perfumado
Era o aconchego, o
Meu refúgio, o meu pensar.
Espalhada na cama
Envolvida nos lençóis vermelhos
Elea chegava de mansinho
Nem pedia licença,
Já me enchia de carinho,
Beijava-me inteiro,
Deixava-me alucinado
Envolvia-me nos seus desejos.
Meus sonhos se foram
Ali estava ela delirando
Pelo meu amor.
Suas mãos atrevidas ela deslizava
Não temia os limites
E eu ali sonhava e vivia
Toda aquela magia
Todo aquele momento
De ternura e encanto.
Ah! Que belo sonho...
Eterno ele será
O dia que você existir,
Não precisa nem trazer a rosa
Traga apenas o seu coração
E sua alma cheia de amor
Que eu cuidarei da sua vida
E do seu amor.

Biby disse...

Olá Raul!
Seria muito bom ter equipas de seropositivos a prestar apoio nos hospitais. Não há ninguem que perceba melhor esta doença do que aqueles que a vivem e a sentem na pele.
No entanto sabendo como funciona o nosso pais vi logo que tal não seria possivel (pelo menos por enquanto na actual crise)mas não podemos desistir!
Beijinhos
BIBY

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
sideny disse...

Raul

No outro comentario anterior, disse que deviam sim aproveitar as
pessoas infectadas.

Pois tem conhecimento, vivem na pele a infençao , o desgosto de o ser infectado, os efeitos das medicaçoes, enfim so alegrias:(

Mas nâo acredito que isso venha a acontecer um dia.

Sabes raul ainda um dia deste estava a falar com uma enfermeira que me perguntou como apanhei o virus, e ja o tempo alguns anos valentes, respondi-lhe se aindam faziam essas parvas perguntas.
Respondi-lhe que foi numa macaneta de uma porta a abri-la , mereceu
essa resposta parva , va-la não lhe chamar igonorante teve sorte.

beijocas

Fatyly disse...

Li o texto com a tenção e todos os comentários.

Começo pela "pergunta parva , pertinente e sei lá mais que adjectivos dar" ao referido por Sideny, que foi simpática coisa que eu não seria e diria: apanhei porque toquei em si! Gente estúpida até dizer chega!!!

Raul acredito que caminhamos para o direito de igualdade em tudo que nos separa, não apenas pelo HIV, mas também pelas inúmeras deficiências, já que após esta crise - que será vencida pela reposição de valores éticos, morais e humanos - o mundo será melhor.
Detesto a palavra "coitadinho", porque "coitadinho" é aquele que olha de lado, que bichana palavras de descriminação, que se diz ser o super sumo da banana e na volta é mais podre e pobre porque lhe falta o pint crucial: respeito e humanismo.

Gostaria de poder fazer mais do pouquinho de faço em prol de...mas todos juntos venceremos a hipócrisa enraizada nas sociedades ditas modernas.

Beijos

R.Almeida disse...

Alexa
O importante não é acreditar nos outros, pois antes de tudo temos que acreditar em nós próprios.
Como eu poderei amar os outros enquanto não me amar a mim mesma?
Quando te amares a ti mesma acreditarás no milagre da vida e serás capaz de genuinamente amar os outros. Bjs

R.Almeida disse...

Lidia
O teu comentário é um statment da situação actual e está muito bem apresentado, pois outra coisa não seria de esperar de ti que entre outros dons tens o dom de escrever muito bem e colocar no papel o teu pensamento.
Claro que a luta dos portadores de HIV se insere na luta de todos aqueles que querem contribuir para a construção da sociedade e que são recusados sob o pretexto da discriminação.
A nossa luta é pelo reconhecimento de capacidades, mais valias e conhecimentos que nos tornam peritos em HIV nas mais diversas areas. Certificação de competências precisa-se com urgência. Temos de trabalhar para as obtermos, mas por favor não nos fechem as portas com medo de que os vamos infectar com a SIDA que vos mata.Mas a descriminação não é só para os portadores de HIV embora aqui seja mais notória.
Obrigado pelo teu comentário de incentivo à luta.
Beijos

R.Almeida disse...

M.
Eu já sabia que aprendeste muito comigo mas o tu dizê-lo publicamente deixa-me vaidoso.Quem aprendeu mais afinal tu comigo ou eu contigo? Bom acho que tudo começou com uma frase mais ou menos assim ____________________e afinal qual de entre nós tem mais segredos? E porque os sublinhados têm significado.
Voltando ao tema de seropositivos darem conferencias e aconselhamento em escolas e hospitais. Para quê um médico?
Pode ser um médico a organizar uma palestra em Slides ou outro suporte, mas ser um seropositivo a apresentá-la.
Para além de ficar mais barato os médicos fazem falta nos hospitais.
É bom que se refira que a condição de se estar infectado não significa certificação de competências. Elas terão de ser adquiridas e ou reconhecidas.
Rejeito o aproveitamento da comunidade para servir certos fins sem que esta seja considerada uma mais valia na luta contra a SIDA e outras IST e não só.

R.Almeida disse...

Sandokan
Obrigado pelo poema deixado e pela tua presença no blog.
Um abraço amigo

R.Almeida disse...

Biby
Junta-te à nossa luta.Gosto também de casas de bonecas sabias?
Não leves para a maldade é mesmo a sério às minituras.Estarei em espirito contigo na cerimónia da tua tese de mestrado sobre HIV.
Um beijo grande e conto contigo.

R.Almeida disse...

Olá Comentário Eliminado
Fiquei contente com o teu bom senso de o eliminares e isso só demonstra que és boa pessoa.Realmente estava um pouco fora do contexto.Um abraço

R.Almeida disse...

Sideny
Realmente as maçanetas das portas são um perigo diacho______________já não se pode confiar em nada. Isto é que vai uma crise.
Achei piada ao teu ar gozão e se calhar a dita ficou cheia de medo e foi desinfectar todas as maçanetas de porta lá de casa.É preciso prevenir e ela deve estar atenta. Beijokas

R.Almeida disse...

Fatyly
Achei piada à forma como reagirias se fosse contigo ias logo para a confontração directa.
Diferentes pessoas diferentes formas de agir :)
Com a resposta da Sideny, cujo modo de ser e estar na vida eu conheço bem, calculo que a gaja se tivesse ali um buraco enfiava-se nele por vergonha de ter sido tão vergonhosamente parva e ignorante.
Beijos

Deusa Odoyá disse...

Olá minha amiga.
Adorei seu texto, pois existem muitas descriminações contra os portadres do HIV.
Isso é um alerta de como devemos ser solidários a eles.
Parabéns por esse texto tão revolucionário.
Uma semana de muita paz, amor e luz.
Felicidades em seus caminhos.
Beijinhos doces, minha amiga.
Continue nessa batalha, pois podes contar comigo também.
Regina Coeli.